"Você escapou por pouco de ser um baita bregão bitolado"
Uma amiga sempre me disse isso porque durante minha infância eu não tive muitas influências musicais. Na verdade, como sou de família cristã bem tradicional, meus pais tinham muitos LPs de corais e bandas marciais, conjuntos masculinos e, sobretudo, cantores, cantores bregas, que na época faziam muito sucesso nas igrejas evangélicas. Hoje, compreendo que o que não mata engorda e a diversidade de estilo apenas demonstram roupagens musicais que podem ser tidas como mais ou menos populares. Todas são facetas de uma mesma divina criação: a música.
Na verdade, antes disso, aos 9 anos, eu já estudava piano erudito e aos 13 eu já tocava clarinete na igreja. Até que algo novo surgiu e me permitiu ver novos acordes: a música de Vencedores por Cristo, Som maior, Elo, Jovens da Verdade e Rebanhão. Exceto esse último, que estava na vanguarda para os moldes de música evangélica da época, embora no estilo tradicional, os demais fugiam ao lugar comum e paradoxalmente eram ao mesmo tempo simples e complexos. Simples na mensagem que transmitiam e complexos nas harmonizações que muitas vezes empregavam em seus arranjos.
Paralelamente, por influência de alguns amigos do conservatório de música onde estudava, mantive meus primeiros contatos Queen, Gilberto Gil, João Donato e Toquinho, mas sobretudo o violão de Paulinho Nogueira me transportava para novos campos harmônicos. Interessante, hoje vejo como foi suave e importante essa modulação na música da minha vida. Se hoje consigo facilmente me adequar aos mais variados estilos musicais, essa variedade de influências é a explicação.
Aquele mundo novo era deslumbrante, mas quem quase explodiu o meu cérebro foi o genial Chick Corea. Ele me influenciou tanto que no disco há uma música em sua homenagem. Eu ouvia, ouvia e ouvia tudo que ele fazia. Tentava repetir a sonoridade do disco da Eletrik Band e, claro, não consegui, mas ficou a referência.
Nos anos 1984 e 1985 acompanhei os grupos evangélicos Jovens da Verdade e Logos, mas em 1985, por meio de amigos cariocas, tive acesso a muita coisa boa. Passei a conhecer gente como Márcio Montarroyos, Banda Black In Rio, Andraé Crouch, Imperials, George Duke e Zimbo Trio, dentre muitos outros. Depois veio o Yellow Jackets, que era a fusão perfeita do jazz e da música mais fácil de entender. Com as edições do Free Jazz Festival da extinta TV Manchete apareceram Michael Camillo e outros músicos que nunca mais saíram do meu radar. Porém, de todos músicos de Jazz, Pop e Gospel, quem mais marcou minha trajetória musical foi Al Jarreau. O primeiro trabalho que ouvi dele foi o disco “Jarreau, 1983”. Que disco fantástico! Incrível como ela cantava Jazz, Pop, Rock e gospel com tanta personalidade.
A essa altura já não tinha dúvida que música era o meu destino. Jovens da minha idade queriam curtir, eu queria tocar. Passei a tocar em bares, bailes e estúdios. Tocava em qualquer lugar onde houvesse um teclado ligado. Graças a experiência desses diversos palcos pude acompanhar músicos como Jamelão, Miriam Batucada, Caçulinha, Raça Negra e por 16 anos acompanhei a dupla sertaneja Bruno e Marrone. Antes, durante e depois desse período, nunca perdi o contato com o meio de onde surgi e toquei nos discos de grupos musicais evangélicos como Voz da Verdade, Grupo Logos e Milad. Produzi e arranjei os muitos discos de Valter Júnior, Gláucia Carvalho, João Inácio e Ranúzia, Robson Nascimento, Beto Dourah, Júnior Ministério Toque de Poder, Gladson Clay, Grupo Semeador e Estilo de Vida, dentre muitos, muitos outros.
"TIMELAPSE"
Quem decide viver do ofício de tocar, gravar e produzir música para os outros precisa aprender o que há de melhor e pior na palavra altruísmo. Abrir mão do que gosta para que o seu cliente sinta-se satisfeito é sempre um ponto de tensão. Inúmeras vezes desejei que uma determinada sequência harmônica de um arranjo fosse como nas faixas do Eletrik Band, mas não poderia impor isso porque o cliente não era o Chick Corea (nada impede sonhar, né?). Ser um operário da música é bom, paga as contas do dia, mas pode frustrar se você tem algo além pra oferecer.
Ao longo dos anos passei a compor músicas que expressam minha assinatura musical ao mesmo tempo que registram fases da minha vida. Foi assim, uma por vez, como que registrando em semibreves momentos especiais da minha vida, surgiram composições que agora juntas tornam-se em meu primeiro disco: TIMELAPSE.
Ah, respondendo à minha amiga: não, não virei um baita bregão bitolado.
Viva a música!